domingo, 20 de dezembro de 2009

Fosforescência

E quando o amor por tal se torna o próprio tal? Ou, quem sabe, o inverso: O tal se torna o próprio amor.

O fim e o percurso se fundem, ou tão somente a linha que os dispõe em lados opostos se dilui, fazendo dos dois um (como outrora os nossos limites também se esvairão pelo ar que hoje nos arde peito a dentro, dando-nos a dimensão da crueldade do tempo e do espaço dispostos [ironicamente] contra nós).

Já que se fez necessário, eu que não ousaria me recusar a atender os clamores de um amor que pede redefinição constante. A impressão imediata é de uma veloz conflagração de matérias: Versos ou acordes, ambos, e hálito a mais – que irrompe furiosamente com as raias que, sem qualquer peso de perversidade, delineiam, conceituam, e nada mais. Em hipótese alguma o que quero é atrair ares de sentenciosa, mas a pequeneza dessas marcações é tão evidente tão logo se faça de nós uma primeira leitura.

Longe da clareza de Victor Hugo e bem íntima da rebeldia selvagem de Rimbaud, é que dou conta, pequena conta!, de manchar de obscuridade uma página que só se fez existir para que se pudesse saber que o corriqueiramente dito de amor, como o que se tem por alguém, para os fins que necessito, foi lançado em desuso.

É o amor que se torna a coisa amada. Por onde vai e até onde chega, convertidos na mesma matéria, sem contudo, ser tangível.

Fosforescência.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Lida *

Se essas linhas tão somente se estendessem pelo branco luminoso – ao passo em que pálido, quase sedento de mentiras ou finais felizes – ou se essas esbeltas bailarinas que uniformemente dançam, ansiosas por minhas confissões tortas (e tortuosas, sim!), já que de ser tão humana, as reparo certas demais p’ras minhas letras em desordem. Se tais protagonistas que dispensam a abertura das cortinas para celebrarem o espetáculo (e tanta minúcia teve que estar aqui. A razão? Sim, rotineiramente desconheço.), se elas não me inquietassem de tal maneira a conseguirem – com a maestria que não teve sequer a minha garganta – trazer a minha alma, eu não hesito em dizer que desconheço o que de mim seria. Claro, eu só tenho como me imaginar [d]escrita. Temerosamente ou não, é como eu me coloco no mundo.


*título sentido por Milka, sempre com o toque de inspiração que me falta.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Participação Especial

‘Qual a diabrura, que loucura empregaste pr'eu ficar afim
Quantas cartomantes consultaste pra me seduzir?
Foi brilho de lua que roubaste pra brilhar teus olhos tanto assim
Que magia pura foi aquela que eu não soube mais como dormir
É que eu passei a noite inteira sem te ver
E sem compreender, estava do teu lado
Sei que fui lograda por não ter estado
Mas que pude fazer?
Mas que pude fazer?
Quantos idiomas tu usaste pra me traduzir?
Mostre a Monalisa de onde tiras o sorriso que me faz batom. . .
Diga, por favor, como me inspiras a sonhar com algo assim tão bom...’


Sem sucesso quando o intento é trazer pras linhas - tortuosas - o que enche meu peito de ar e me tira o fôlego - simultaneamente, sim - chamo Sérgio Sampaio pra vir em meu auxílio.
Sempre tem um poeta pra advogar a causa dos amantes.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Afinados

Ao que piseteia.


Dos encontros casuais ao que se vitaliza. É uma boa tentativa de letralizar o que – gratuitamente – veio se mesclar ao que deve ficar pra além da aleatoriedade.

Que digam que é mera vaidade ou afirmação redundante do ego querer por perto - bem mais perto que as espacialidades limitadas permitem desejar – um outro que de tão igual dispensa alteridade. É, sim, a mera vaidade e capricho de menina mimada que não me permitem ter ausente os ritmos que ele – tão eu – traz. É um estar junto melódico e gracioso, que dispensa o teto da concordância submissa pra se estender pelo vôo da contradição. Sintonia fina, que de tão ajustada carrega com beleza todos os desajustes. Forte, leve, longo. [...]



E pra quem lê, o deleite das interrogações-não-retiradas que só sobre nós não pairam.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Causa

A Pedro Adams.

Pelo meu coração que te quer mais perto,
pelo meu cotidiano que sem você é deserto,
pelo teu gingado de menino esperto,
pelas belas canções de Erasmo e Roberto,
pelo amor da gente que é crescente e certo.

Por tudo que dispensa as rimas. ♥

terça-feira, 30 de junho de 2009

Bússola


Na contemplação do que é meu horizonte - aquela linha onde as coisas se perdem de vista e as cores se tornam tons de azul - te vejo ali, ao Leste. Você é o Leste. De onde vêm os primeiros ultravioletas cintilarem amarelos vívidos, o clarear de todas as horas que seguem iluminadas. Mas o vôo dos segundos é rápido [e lento quando de tanto te esperar me perco na marcação de um tempo nosso – peculiaridades], então, num repente de sertanejo, seus traços já estão desenhados no meu Norte. É tão simples assim, quando olho pra frente e sigo. Sim, você está ali, no norte que me orienta. Talvez a oeste eu espere a noite chegar pra me esconder em você, dos gélidos ventos vindos do sul.
De que tudo isso importa, afinal? Temos a nossa territorialidade. Demarcamos um tempo que não é de mais ninguém, num relógio de ponteiros duvidosos, circulares e contínuos. Cabe o mundo nessa distância que sequer a nós abarca.

domingo, 21 de junho de 2009

Do Verbo *


Digamos que começar um texto falando sobre as várias opções de tema que podem ser abordadas, não seja muito convencional. Aliás, acho que nem existe convenção pra isso. Talvez exista de como não se deve, até porque, identidade se constitui a partir da negação. O que importa é que hoje eu quis, olhando pro papel, dizer sobre o amor, a distância, os encontros, os desencontros, os apreços, a função do intelectual, fibra óptica, candidatura da Dilma, a vitória certa do Serra sobre ela e tantas outras coisas que já nem me lembro. Me perdi na tentativa de escolher, isso sempre acontece comigo. Ok, enrolei tempo o bastante pra me decidir. Falarei sobre a minha idéia do que seja amor.

Vamos lá. É tão comum se falar em amor que a gente – contraditoriamente – sente um certo desconforto. Mais corriqueiro ainda, principalmente em meio a pessoas que se consideram suficientemente críticas, é se falar na banalização do amor. Ah, como a gente vê por aí reacionários estufando o peito pra dizer: ‘Eu te amo não é bom dia’. Pois é, não é mas deveria ser. Devo concordar com Bauman, quando ironicamente ele constrói a idéia de um amor líquido e utilitarista. É o amor que vira desamor na velocidade da luz e conforme a conveniência. Mas não é a esse tipo de amor que eu me refiro. Não mesmo, já que, pra mim, amor é prática.

Não se tem amor, se pratica amor. Eu amo alguém quando – estando irritada – paro e ouço tudo que ele tem a dizer, anulando a minha vontade de ficar sozinha pela vontade dele de falar. Amo um morador de rua quando o abraço e cuido dele por um dia. Sim, foi um dia de amor por um desconhecido. Amo o Brasil quando faço uma reflexão antes de votar, amo a natureza quando não jogo lixo na rua, amo a sociologia quando leio e falo sobre ela, amo meu irmão quando – muito a contragosto – assisto anime com ele. Amo minha irmã quando a suporto na TPM [ela passa por isso durante 27 dias do mês. É muito amor, acreditem.]. Amo meu namorado quando abro mão da sua companhia pra que ele descanse de horas não dormidas. Talvez por isso seja tão difícil amar o próximo como a nós mesmos, porque amor é fazer pelo outro o esforço que nós somos capazes de fazer em nosso benefício. E isso não é nada fácil.

Eu sei que interrogaçõezinhas flutuantes devem estar sobre a cabeça do leitor: E o sentimento que deixa a gente arrepiado e pra morrer de dor [como ferida que dói e não se sente]? Isso não é amor? E a vontade descontrolada de estar perto do outro? E os pensamentos que não se permitem ocupar por outra imagem que não a da ‘pessoa amada’?

Perdoem-me pelo atrevimento em discordar de conceitos consagrados em louváveis versos [acho que isso é ligeiramente permitido a blogueiros inocentes], mas, na minha concepção, amor não é sentimento. Paixão, saudade, necessidade do outro, encantamento, carinho, desespero, tudo isso é sentimento. Quando nos levam à ação, que vai desde um presente comprado com muito esforço à abdicar da nossa vontade em prol do bem do outro – a desdém de qualquer dor que isso possa nos causar – aí sim, o amor acontece.

Que se pratique amor, pílulas de amor, cenas de amor, o tempo todo, sem a exigência de temporalidade ou proximidade, sem hierarquia. Amor não deve ser guardado com a gente pra uma ou duas pessoas que passem pela nossa vida. Se ele não é ação, não passa de intenção**, ‘como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor obrigação de acontecer’. Acho que se vive bem melhor assim, amando. Num gerúndio que mantém os braços da gente abertos a quem quer que seja, dispensando critérios minuciosamente burocráticos pra isso. Numa entrega que se auto-retribui, numa satisfação do fazer que se basta. Que o amor se banalize pra muito além do discurso.


* Texto inspirado em uma conversa de bar com Rox e Driano.

** adaptado (SILVA, Alex C., 2009)

domingo, 17 de maio de 2009

Poética de São Januário


Um breve texto sobre uma inquietação desnecessária. Bem, eu atraio pessoas de todos os tipos, o que não é um privilégio só meu. Mas sim, acontece comigo algo engraçado, que é ter entre as pessoas da minha alta estima, gente idêntica a mim e gente no extremo oposto.
O mais impressionante desse jogo de encaixes perfeitos em formas variadas é o fato constrangedor – e até patológico - de eu amar predominantemente a vascaínos. Será alguma medida do destino em querer me mostrar que quando tudo tá perfeito, algo deve gerar um ponto de equilíbrio entre bem e mal? Talvez seja por eu ser a exceção cheirosa e pensante na vida deles – coisa que eles não são na minha. Fato é que eu já fiz conta de probabilidade, já fiz uma auto-análise bem justa, quase fechei o corpo [vai que é despache], mas de nada adiantou. Continuo atraindo vascaínos, e o que é pior, me sentindo fortemente atraída por eles.
Não tô falando só de homem. Embora sejam maioria, re re. Mulheres são mais reflexivas e elegantes, por isso, amo poucas vascaínas. Entretanto, a minha melhor-amiga-cara-metade resolveu ser uma delas. Ex-rolos, atuais ‘fricotes’ [/)], futuros namorados, melhores amigos [quantas indiretas numa única frase], todos vascaínos cegamente apaixonados (sim, se enxergassem algo além daquele escudo ridículo, já teriam mudado de time há muito tempo).
O tal vascaíno é um sujeito muito chato [será que eu não sei amar pessoas de bem? *refletindo*] Ele insiste em criar categorias ofensivas para encaixar os outros times – sempre melhores que o dele – e colocar a sua amada Cruz de Malta acima de qualquer julgamento. Ta, isso é mania de torcedor fanático e acéfalo, eu sei. Mas peraí, não tem coisa mais irritante e desprovida de senso crítico que um vascaíno lá do subúrbio do Rio [conheço vários, amo alguns], sair falando em tom de deboche que ser Flamengo é coisa de favelado, preto, vendedor de água no sinal. Não que ele esteja errado. O erro gritante é achar que existe algum problema em pertencer a alguma dessas três realidades. Muito pelo contrário, embora eu seja Flamenguista [com F maiúsculo pelo orgulho de pertencer à maior torcida do mundo, beijos] e não me encaixe em nenhuma delas, nada me deixa mais emocionada que saber que o meu time tem identificação forte com a identidade do povo brasileiro, com a rotina sofrida de quem trabalha dignamente pra sustentar a família e ainda encontra tempo de vibrar em rubro-negro. Mas vascaíno não sabe o que é dignidade [vide: Eurico Miranda, Edmundo-embriaga-macacos e cia].
Ultimo parágrafo – que esse povinho não vale tantas linhas do meu blog (raríssimas exceções, as que amo.)- vamos para o que eu considero a pior parte: Não sei coomfas pra gostar menos deles. Acabo de concluir que o problema está em mim. Não digo que tenho dedo ruim pra escolher pessoas, já que são elas que me escolhem (risos), e também porque esses benditos [?] só me fazem bem. Talvez se eles fossem perfeitos (leia-se: além de tudo que já são, torcerem pro tão amado, querido e idolatrado Flamengo) não tivessem a mesma graça, o mesmo toque de contradição, não me levassem ao tão saboroso exercício dialético. Além do mais, não fosse por eles, quem me proporcionaria o delicioso gosto de me sentir superior?


Ps.: Quero essa corja sempre comigo, questão de honra, diversão, hierarquia e – acima de tudo – sobrevivência. ♥

sábado, 16 de maio de 2009

Balada ao Aniversariante

Quando me sentei diante do papel para escrever esse texto, juro, não sabia sequer a primeira letra que deveria colocar aqui. Eu só tinha uma certeza: No dia 19 de fevereiro algo parecido com um presente de aniversário deveria estar disposto em palavras com clareza suficiente para a leitura e entendimento de um quase-engenheiro não muito dado às abstrações literárias. Missão complicada, confesso. Mas, munida do descompromisso com as normas cultas e rompendo os laços fraternos com a ABNT, vou em frente nessa arriscada empreitada. E mãos à obra [trocadilho infame aludindo à profissão do bem-dito].

A idéia de presenteá-lo, Felipe [ sim, Felipe é o nome do felizardo homenageado por essa obra-prima da literatura brasileira contemporânea], surgiu de três fatores principais: Da falta de havaianas do Vasco nessa província de cidade (tsc), da falência múltipla dos bolsos da universitária que assinará o texto que segue [condição temporária, garanto. Visto que – em breve – não só o presenteado se tornará mega-multi-milionário] e - principalmente – da minha inquietação em ter de escrever sobre quem, de um jeito ou de outro [ e eu nem sempre sei por qual razão exatamente], é importante o bastante pra merecer { não sei se merecimento é a palavra...} o que, de melhor eu posso dar – verdades em versos soltos.

De agora em diante, pouca coisa há de ser dita. Afinal, não é fácil – nem pra uma tagarela convicta como eu – dizer sobre uma ligação tão meteórica. Minha vida seguia o seu fluxo frenético e colorido quando ele, como num passe de mágica, surgiu de alguma cartola encantada. Não foram necessários mais que três dias [é, gente, pode assustar, três dias!] pra que esse vascaíno filho de botafoguense { minhas condolências dobradas} passasse a figurar entre o elenco dos meus protagonistas.

Como ele conseguiu? Fácil. Me pegou (?!) em dias de caridade [/blasé]. Tá, isso é mentira. As piadas sem graça, as implicâncias desnecessárias, o jeito pretensioso de afirmar que tem uma leitura excepcional das pessoas, os apelidos mais ridículos que alguém pode inventar, as vãs tentativas de me tirar, a auto-afirmação hilária, tudo isso é mérito dele. E, pasmem, tem mais! É gostoso confiar nele, por que é um sentimento que a gente sabe que é devido. É agradável olhar pra maneira com que ele quer as coisas e vai –obstinada e incansavelmente – atrás delas. É bom perder tempo com as nossas conversas aparentemente improdutivas mas que produzem – instantaneamente – uma sensação de leveza de que as pessoas queridas vão nos acompanhar de perto, nem que seja só observando discretamente e nos desejando – com sinceridade – sorte. Ele me ensinou a gostar de Coldplay, a ter algum interesse por filme Hollywoodyano. Ele compartilha comigo o gosto pela língua portuguesa bem escrita e até aprendeu a ouvir Zeca Baleiro. E, de quebra, me apresentou uma família que faz a gente se sentir de casa no primeiro dia de visita {beijomeligatiagisele}.

Bem, pra presente de aniversário, tá bom isso aqui. E em cada linha se pode notar como é genuína essa amizade que tem uma carinha bonita de que vai longe. É, Felipe, esse é um texto tão nosso, tão idiossincrático [graças a mim você sabe o que significa isso. Por nada.] que talvez ninguém mais entenda. Não me importo, o que me vale é a paz de poder contar, sem medo de errar, o que já é parte certa dos meus registros eternizados. E sim, você é o aluno do sétimo período de Engenharia Civil da UnB que eu mais gosto [ me apresente outros].




Ps.: O texto é antigo, sim. É que bem antes desse blog, pessoas importantes já me roubavam - e davam - horas de inspiração.

domingo, 3 de maio de 2009

Humanóides


Oi, leitores. Essa é a maneira mais patética de começar qualquer rabisco. Eu me perdôo por isso, afinal,ando tão atordoada pelo que vamos discutir a seguir, que nem me dei ao luxo de uma introdução bem elaborada [como vocês merecem]. Crises literárias à parte, vamos ao que interessa [ou não]: O que está acontecendo com o mundo real?
Ao contrário da leitura de muitos acerca de uma pergunta quase clichê-de-caminhão-empoeirado-com-motorista-barrigudo-maniacossexual-e-mal-encarado, a inquietação que gerou esse questionamento não tem absolutamente nada a ver com as guerras no Oriente Médio, crise econômica mundial, seca no nordeste, gripe suína ou ascensão de celebridades como Sasha, Alexandre Frota, Íris Stefanelli e Mallu Magalhães [outro quase clichê no meio dos pseudo-anti-pseudo]. A indagação que vem me atormentando há dias, a ponto de me levar a uma auto-análise com resultado nem tão positivo assim, é que de uns tempos pra cá, assustadoramente os papéis se inverteram: Não é mais o mundo virtual que imita o mundo real, e sim o inverso. *imaginando vocês boquiabertos ao lerem isso* [acreditem, eu também fiquei ao concluir].
Nesse exato momento eu estou diante do computador, vendo um festival de janelinhas-de-msn piscando e pensando: Nem vou ver o *inserir pseudônimo* hoje. Na verdade, meus caros, eu não o vi ontem, nem o verei amanhã, já que estamos geograficamente separados por centenas de quilômetros. Entretanto, o que acontece é que esse universo de bits, gigas e softwares, está se introjetando a ponto de quase substituir sensações e impressões até então só conferidas pelos cinco sentidos. Pode até ser motivo de piadinha infame, como quando a gente brinca que namoro agora só vale se tiver no status do orkut [ quem disse que é só piada, hein?], mas, pra mim, que sou tão tato, que preciso tanto de hálito, isso é bem alarmante.
Com o perdão da didática minuciosa que vai encher o texto de exemplos [muitos deles bizarros, a combinar com a narrativa], é que devo relatar-lhes mais algumas experiências minhas e dos outros (sim, eu uso os outros como cobaias nas minhas literices). Eu tenho certeza que vão me entender, afinal, esse texto é um grande alerta a todos vocês, que aliás, o estão lendo depois de tê-lo recebido por alguma janela de msn, e-mail, corrente dos brothers e o escambal, visto que há muito tempo eu não sei o que ter um texto meu impresso. Pois sim, voltando as lamúrias de alguém que não quer por nada nesse mundo [palpável, por enquanto] perder a vida off. Isso da vida real estar imitando a outra vida [me senti num filme de terror ou em alguma sessão espírita. Por falar nisso, o que Alan Cardec diria se soubesse que agora os históricos do mensenger 9.0 equivalem à regressão a vidas passadas?], sim, onde eu parei? Ah, tá. Bem, isso está assumindo um formato que foge a passos largos do que eu considero saudável. Dia desses me deparei com uma situação de pasmar qualquer mortal [é, apesar dos arquivos serem ad eternum se o pendrive for bem cuidado, a gente ainda morre]. A mãe de uma aluna veio me contar em tom de choque e pesar que a relação com a filha é péssima, brigas constantes, rispidez, falta de confiança de ambas as partes. Porém, quando a adolescente vai passar o fim de semana na casa do pai e encontra a mãe on-line, a trata como best friend. Conta segredos, brinca, faz piada e até diz ‘te amo muuuuito S2’. Agora vejam, a internet virou mediadora da relação entre mãe e filha que moram na mesma casa. Tenebroso.
Outra experiência, até hilária, foi quando, ao vivo e à cores (sim, isso ainda existe, pra nossa sorte e esperança) uma amiga – muito, muito amiga – com quem eu tenho mais contato via net, devido à distância – lamentável – entre a gente, falou alguma coisa e complementou dizendo qual emoticon combinaria com aquela frase. Sim! Nós estávamos cara a cara e ela precisou citar um emoticon pra que a frase fizesse sentido. Ora, os emoticons, até onde eu sabia, eram uma tentativa de representar feições e reações humanas. Ver um humano imitando um emoticon foi aterrorizante.
Ainda nem falei em situações como: ‘Amiga, não posso ir com essa roupa, já tem foto no orkut’. Pior ainda: ‘Fulaninho não me ama mais, mandou depoimento pra Cicraninha e nem mandou pra mim’. Hipocrisias de lado, quem nunca sentiu ciúmes de um scrap, uma legenda ou comentário em foto, que envie o primeiro vírus. Até as tão tradicionais cantadas de pedreiro estão perdendo o glamour. Já ouvi por aí a seguinte aberração: Oi, cachorrinho tem msn? Dia desses me disseram: Você é pop, hein? Dois orkuts e quatro comunidades. Eu sorri e até concordei, a fim de anulação da pouca modéstia que ainda me resta. Mas a verdade é que a gente vê os nossos amigos [nem vou colocar aspas, que estão tão evidentes] só uma vez por ano, quando o orkut noticia nosso aniversário. Por falar nisso, eu acho uma grande palhaçada amigo, que é amigo mesmo, mandar um recado de orkut no dia do aniversário e achar que equivaleu a uma festa surpresa com direito a gogo boy dentro de um bolo gigante.
O inverso também acontece. Você vê uma pessoa todo santo dia, vai pra balada com ela, abraça e beija mas a criatura consegue ficar magoada contigo se não puxar assunto com ela no msn. Aí depois você encontra na rua e ela vira a cara. Isso deve significar que você foi bloqueado. Ah, não posso deixar de mencionar o fato de que excluir do orkut, do msn e da lista de e-mails é deletar [sim, os termos internéticos já foram incorporados à lingüística mas o meu word 2003 ainda marca de vermelho] indica exclusão total da vida. Prefiro nem comentar o típico caso de pessoas reais que só existem no mundo virtual. É aquele seu colega de faculdade que te ignora e se bobear, nem seu nome sabe, mas quando ‘te encontra’ no orkut, quer passar a impressão de que vocês são amigos íntimos: ‘Oi, Aa’bsolut [é, pelo menos o seu nick ele sabe]! E as 9’s? Vai fazer o que no FDS? Bjaaaum’. Se parar no beijo, tá bom. Pior é quando vem seguido do clássico acabei-de-te-conhecer-mas-já-te-amo-muito-e-pra-sempre. Lamentável. É, amor não é mais fogo que arde sem se ver, e sim depoimento que copia e não se lê.
Definitivamente, eu não consigo pensar em Augusto dos Anjos, Cecília Meireles ou Castro Alves literando conforme com o Acordo Ortográfico Virtual Alooks. Imaginem só: ‘Olhos de cigana obliqua e dissimulada [/oisoucapitu]’. Ou então: ‘Não sou alegre nem sou triste: sou poeta ok bgz’. Fernando Pessoa se veria em maus lençóis tendo de escrever Psicografia no seu twitter. Ou não, seria um bloggeiro de mão cheia. Livros nunca mais. [twitter é outra página inútil que anula a beleza lírica de escrever as coisas em um diário que poderia ser lido pela posteridade]. Será que Cartola, Noel, Tom e Maysa fariam sucesso hoje se não tivessem my space? Por falar em Noel, o pobre se veria em desencanto por não poder pedir uma boa média que não seja requentada, já que o botequim dessas bandas é o Boteco Irônico.
Pode parecer paranóia, mas eu não consigo me tranqüilizar diante da possível perda de sentido das relações humanas, a não ser que sejam moderadas virtualmente. Atribuir sentimentos verdadeiros a pessoas que vem pra vida da gente via bit, é normal e até muito digno. Eu já fiz, já fizeram por mim. Amores, amigos, parceiros que eu vou carregar comigo sempre. O ponto é esse, eles deixaram de ser virtuais e passaram a ser da vida. O grande mote do texto, o problema, o calcanhar de Aquiles deste universo aparentemente blindado é que tudo aponta para uma virtualização do real. Humanos líquidos e cada vez mais distantes do alcance dos olhos e do toque da pele. Descobrir os sete mares navegando por essas ondas, pode ser incrível. Entretanto, é bom tomar cuidado com um possível naufrágio.
[Ps.: Evitei ao máximo o uso de atalhos de emoticons e outras gírias virtuais, mas, ao menos na despedida, permitam-me.] Partiu ficar on no msn. Mimimis. Alt+3

Do Espelho ao Papel


Um dia a gente sente que tem de escrever alguma coisa que tenha a ver com a alma. O poeta fingidor deixa a pretensiosa condição de roteirista da vida alheia e, então, começa a protagonizar a própria vida. Não sei por qual razão, esse momento chegou pra mim, e agora, leitores, é a minha essência – nem sempre tão cheirosa – que é colocada [sem clareza nenhuma, admito] nesse papel que de tão branco me envergonha. Parece amplo demais pra minha confusão, claro demais pras minhas mentiras bem-sucedidas (juro que me convenço delas diariamente. Não me levem a mal, é por alguma causa nobre por enquanto não identificada). De todo modo, é ainda melhor que uma tatuagem com alguma frase escandalosa que pode, devido à minha constante mudança, perder a validade na semana que vem [vide: Débora Secco]. Uma auto-narrativa é, inevitavelmente, cheia daquelas descontinuidades que teimam em aparecer quando a linguagem não dá conta de permear a subjetividade. Ignoro o declarado e sigo adiante, desprovida do temor de fazer silêncio, quando ele – necessariamente – tiver de ser meu porta-voz.

Chega de tantas explicações. O momento é de falar, e falar muito. Sem compromisso com a coerência, considerando que ela nem sempre é possível quando se tem a verdade em alta conta. É, verdade é um tema delicado nesses tempos em que o relativismo reina absoluto (contradição, confesso. Mas não retiro o que eu disse). De todo modo, as pessoas seguem criando pra si verdades, aderindo outras. Por aqui não é diferente. Tenho as minhas, tenho as dos outros. Aceito contestação, embora nem sempre me renda. Para encerrar o assunto (ou tão somente adiá-lo devido aos arrepios que me provoca), Cazuza que me perdoe, mas mentiras sinceras nunca me interessaram. Não, relativismo não é o meu forte (e agora quem tem de me perdoar é a antropologia).

Deslumbramento tem tudo a ver comigo. Talvez pela ineficiência do passar dos anos em me tomar esse forte traço de menina é que não precise de tanto pra que o meu contentamento se espalhe em sorrisos gratuitos. Se isso é uma virtude, eu não sei. Mas sinto uma estranha paz em não esperar nada da vida e ser – diariamente – agraciada por ela. Bem, agora é o momento oportuno pra mencionar a fé. Velha companheira, tão forte, tão destemida, tão sempre-comigo a ponto de me proteger do realismo cinza que resume tudo à frieza do concreto. Desconfio do palpável ao passo em que acredito no que escorre por entre os dedos da pretensiosa razão e de sua sócia, a lógica. “A fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”, diria apóstolo Paulo, em carta aos Hebreus (leitura que recomendo, vale ressaltar).

Gente me encanta. Trajetórias, estórias, contos reais. Isso exerce sobre mim verdadeiro fascínio. Saber da vida alheia – em um exercício que vai além da curiosidade e até da fofoquinha – é sentir a gostosa sensação de não estar alheia à vida. É tocar a dinamicidade, contemplar o movimento. Passei a viver melhor quando comecei a acreditar no ensinamento de minha mãe de que um ‘bom dia’ de um desconhecido pode fazer com que o dia seja, de fato, bom. Não considerar os humanos descartáveis é permitir que qualquer um nos melhore de alguma forma, em alguma medida.

Detesto comparações. Orgulho? Quem sabe. Pode não passar de demasiado apego ao singular. Gosto de pronomes possessivos, quando não interferem no livre prosseguir. Acredito na poesia, até quando não passa de performance. Sinto a música encher de ânimo cada canto de mim, como se as melodias carregassem em si o fôlego necessário à vida. Tenho uma quedinha por sarcasmos e outras tendências pseudo, mas vou me tratar, garanto. Verbos me seduzem, provavelmente por ter aprendido, em algum momento do ensino fundamental, que verbo é ação. Quando penso em amor como um verbo, sou tomada de uma anestesiante esperança de que se pratica o amor na mesma medida em que se fala nele, ou, pelo menos, de que isso é possível. Minha alma transborda harmonia quando me dou conta da misericórdia, soberania, e excelência do amor de Deus. Não saberia narrar, entretanto, não me atreveria a omitir o que me dá sentido e direção. “Por que Ele vive, posso crer no amanhã”, diz a canção que não me canso de entoar.

É, leitor amigo, longe da pretensão de ter clareado a obscuridade da minha humanidade, ou tão somente de ter sido fiel no que, gentilmente - ou não – atribuí a mim, devo a você um agradecimento sincero. Me acompanhar por esse labirinto arriscado, com altos muros de devaneios e reticências, foi uma demonstração de que ainda existe sensibilidade para com os gritos de desespero do outro. Sensibilidade, boa pedida pra outra auto-reflexão. Elas nunca param.

Ode àquela que Transborda


São quase quatro horas da manhã, chove em Goiânia. Ainda assim está quente, um tanto abafado. Alguém do norte arriscaria um cobertorzinho fino. Eu não. Prefiro o lençol ainda dobrado cheirando a dia de domingo. Fato é que, privada do sono por uma forte inquietação que me trouxe a este papel, converso distraída com o tímido vento que entra pela janela semi-aberta do meu quarto, pedindo a ele que por seus passeios solitários pelas sossegadas ruas da tranquila cidade planejada, traga-me, como sopro de inspiração, a habilidade necessária para desenhar em letras os fortes traços que hoje me despertam.
É, meus caros, quando lerem esse texto, provavelmente eu estarei dormindo. Perdoem-me pela indelicadeza, mas agora o momento é de insônia. Nem o vento noturno conseguiu vir em eu socorro. Escrever sobre a Lisa não é uma tarefa fácil. Entendam. Peço licença pra recorrer à memória, mas alerto: Posso cair em um saudosismo emocionalista. Estão totalmente dispensados da obrigação de lerem até o fim. A Lisa lerá. E mais, sentirá exatamente igual, porque estranha e lindamente, estamos sempre na mesma freqüência.
Aos que continuam atentos a esta multidão de palavras – nem tão soltas assim [mas sem muito nexo] e carregadas – em cada letrinha, acento e pingos-nos-I – de sentido, significado, sentimento, verdade e tudo mais, vale uma ressalva: isso tudo aqui não passa de tentativa de esboçar uma narrativa que esbarra sempre naqueles longos silêncios onde as coisas sublimes são, de fato, entendidas.
Não é de hoje, aliás, é de bastante tempo que ela está na minha vida. Inegável que eu sinto muita falta daquela pirralha que, por ser um pouquinho mais velha que eu, repetidas vezes quis bancar autoridade [Você também tinha franja, ok, amiga?].
Verões cariocas passados, e, agora respirando os ares áridos do cerrado, depois de tê-la encontrado por bondade do Pai e por ironia do destino estar há milhares de quilômetros daquele abraço que me faz desejar um céu estrelado pra qualquer desconhecido, é que me noto com o coração apertado pela vontade de extrapolar e jogar na cara do mundo isso tudo que a gente vive! Que Deus me deu essa chance. Que minha vida ganha novas e mais intensas tonalidades cada vez que compartilho com ela as coisas mais rotineiras. Ah, como eu amo as nossas banalidades! Se todo o espaço que ela ocupa se resumisse a isso, eu já estaria satisfeita. Mas a nossa melodia é mais complexa, tem mais notas, é cheia de acordes!
Não tornar a Lisa em texto seria negar à poesia uma personagem que vale inúmeras releituras. Incansáveis, sem dúvida. E sempre inéditas, por mais contraditório que isso possa parecer. Abro agora para as reticências, talvez, melhor do que eu, elas mensurem isto que tanto me envolve e emociona, mas que escorre habilmente por entre os dedos da minha insuficiente competência narrativa.
É, leitores, o sol começa a sinalizar um belo amanhecer. Mais um dia colorido pelo amor que eu dedico àquela que soube – divinamente – se fazer vital.