Oi, leitores. Essa é a maneira mais patética de começar qualquer rabisco. Eu me perdôo por isso, afinal,ando tão atordoada pelo que vamos discutir a seguir, que nem me dei ao luxo de uma introdução bem elaborada [como vocês merecem]. Crises literárias à parte, vamos ao que interessa [ou não]: O que está acontecendo com o mundo real?
Ao contrário da leitura de muitos acerca de uma pergunta quase clichê-de-caminhão-empoeirado-com-motorista-barrigudo-maniacossexual-e-mal-encarado, a inquietação que gerou esse questionamento não tem absolutamente nada a ver com as guerras no Oriente Médio, crise econômica mundial, seca no nordeste, gripe suína ou ascensão de celebridades como Sasha, Alexandre Frota, Íris Stefanelli e Mallu Magalhães [outro quase clichê no meio dos pseudo-anti-pseudo]. A indagação que vem me atormentando há dias, a ponto de me levar a uma auto-análise com resultado nem tão positivo assim, é que de uns tempos pra cá, assustadoramente os papéis se inverteram: Não é mais o mundo virtual que imita o mundo real, e sim o inverso. *imaginando vocês boquiabertos ao lerem isso* [acreditem, eu também fiquei ao concluir].
Nesse exato momento eu estou diante do computador, vendo um festival de janelinhas-de-msn piscando e pensando: Nem vou ver o *inserir pseudônimo* hoje. Na verdade, meus caros, eu não o vi ontem, nem o verei amanhã, já que estamos geograficamente separados por centenas de quilômetros. Entretanto, o que acontece é que esse universo de bits, gigas e softwares, está se introjetando a ponto de quase substituir sensações e impressões até então só conferidas pelos cinco sentidos. Pode até ser motivo de piadinha infame, como quando a gente brinca que namoro agora só vale se tiver no status do orkut [ quem disse que é só piada, hein?], mas, pra mim, que sou tão tato, que preciso tanto de hálito, isso é bem alarmante.
Com o perdão da didática minuciosa que vai encher o texto de exemplos [muitos deles bizarros, a combinar com a narrativa], é que devo relatar-lhes mais algumas experiências minhas e dos outros (sim, eu uso os outros como cobaias nas minhas literices). Eu tenho certeza que vão me entender, afinal, esse texto é um grande alerta a todos vocês, que aliás, o estão lendo depois de tê-lo recebido por alguma janela de msn, e-mail, corrente dos brothers e o escambal, visto que há muito tempo eu não sei o que ter um texto meu impresso. Pois sim, voltando as lamúrias de alguém que não quer por nada nesse mundo [palpável, por enquanto] perder a vida off. Isso da vida real estar imitando a outra vida [me senti num filme de terror ou em alguma sessão espírita. Por falar nisso, o que Alan Cardec diria se soubesse que agora os históricos do mensenger 9.0 equivalem à regressão a vidas passadas?], sim, onde eu parei? Ah, tá. Bem, isso está assumindo um formato que foge a passos largos do que eu considero saudável. Dia desses me deparei com uma situação de pasmar qualquer mortal [é, apesar dos arquivos serem ad eternum se o pendrive for bem cuidado, a gente ainda morre]. A mãe de uma aluna veio me contar em tom de choque e pesar que a relação com a filha é péssima, brigas constantes, rispidez, falta de confiança de ambas as partes. Porém, quando a adolescente vai passar o fim de semana na casa do pai e encontra a mãe on-line, a trata como best friend. Conta segredos, brinca, faz piada e até diz ‘te amo muuuuito S2’. Agora vejam, a internet virou mediadora da relação entre mãe e filha que moram na mesma casa. Tenebroso.
Outra experiência, até hilária, foi quando, ao vivo e à cores (sim, isso ainda existe, pra nossa sorte e esperança) uma amiga – muito, muito amiga – com quem eu tenho mais contato via net, devido à distância – lamentável – entre a gente, falou alguma coisa e complementou dizendo qual emoticon combinaria com aquela frase. Sim! Nós estávamos cara a cara e ela precisou citar um emoticon pra que a frase fizesse sentido. Ora, os emoticons, até onde eu sabia, eram uma tentativa de representar feições e reações humanas. Ver um humano imitando um emoticon foi aterrorizante.
Ainda nem falei em situações como: ‘Amiga, não posso ir com essa roupa, já tem foto no orkut’. Pior ainda: ‘Fulaninho não me ama mais, mandou depoimento pra Cicraninha e nem mandou pra mim’. Hipocrisias de lado, quem nunca sentiu ciúmes de um scrap, uma legenda ou comentário em foto, que envie o primeiro vírus. Até as tão tradicionais cantadas de pedreiro estão perdendo o glamour. Já ouvi por aí a seguinte aberração: Oi, cachorrinho tem msn? Dia desses me disseram: Você é pop, hein? Dois orkuts e quatro comunidades. Eu sorri e até concordei, a fim de anulação da pouca modéstia que ainda me resta. Mas a verdade é que a gente vê os nossos amigos [nem vou colocar aspas, que estão tão evidentes] só uma vez por ano, quando o orkut noticia nosso aniversário. Por falar nisso, eu acho uma grande palhaçada amigo, que é amigo mesmo, mandar um recado de orkut no dia do aniversário e achar que equivaleu a uma festa surpresa com direito a gogo boy dentro de um bolo gigante.
O inverso também acontece. Você vê uma pessoa todo santo dia, vai pra balada com ela, abraça e beija mas a criatura consegue ficar magoada contigo se não puxar assunto com ela no msn. Aí depois você encontra na rua e ela vira a cara. Isso deve significar que você foi bloqueado. Ah, não posso deixar de mencionar o fato de que excluir do orkut, do msn e da lista de e-mails é deletar [sim, os termos internéticos já foram incorporados à lingüística mas o meu word 2003 ainda marca de vermelho] indica exclusão total da vida. Prefiro nem comentar o típico caso de pessoas reais que só existem no mundo virtual. É aquele seu colega de faculdade que te ignora e se bobear, nem seu nome sabe, mas quando ‘te encontra’ no orkut, quer passar a impressão de que vocês são amigos íntimos: ‘Oi, Aa’bsolut [é, pelo menos o seu nick ele sabe]! E as 9’s? Vai fazer o que no FDS? Bjaaaum’. Se parar no beijo, tá bom. Pior é quando vem seguido do clássico acabei-de-te-conhecer-mas-já-te-amo-muito-e-pra-sempre. Lamentável. É, amor não é mais fogo que arde sem se ver, e sim depoimento que copia e não se lê.
Definitivamente, eu não consigo pensar em Augusto dos Anjos, Cecília Meireles ou Castro Alves literando conforme com o Acordo Ortográfico Virtual Alooks. Imaginem só: ‘Olhos de cigana obliqua e dissimulada [/oisoucapitu]’. Ou então: ‘Não sou alegre nem sou triste: sou poeta ok bgz’. Fernando Pessoa se veria em maus lençóis tendo de escrever Psicografia no seu twitter. Ou não, seria um bloggeiro de mão cheia. Livros nunca mais. [twitter é outra página inútil que anula a beleza lírica de escrever as coisas em um diário que poderia ser lido pela posteridade]. Será que Cartola, Noel, Tom e Maysa fariam sucesso hoje se não tivessem my space? Por falar em Noel, o pobre se veria em desencanto por não poder pedir uma boa média que não seja requentada, já que o botequim dessas bandas é o Boteco Irônico.
Pode parecer paranóia, mas eu não consigo me tranqüilizar diante da possível perda de sentido das relações humanas, a não ser que sejam moderadas virtualmente. Atribuir sentimentos verdadeiros a pessoas que vem pra vida da gente via bit, é normal e até muito digno. Eu já fiz, já fizeram por mim. Amores, amigos, parceiros que eu vou carregar comigo sempre. O ponto é esse, eles deixaram de ser virtuais e passaram a ser da vida. O grande mote do texto, o problema, o calcanhar de Aquiles deste universo aparentemente blindado é que tudo aponta para uma virtualização do real. Humanos líquidos e cada vez mais distantes do alcance dos olhos e do toque da pele. Descobrir os sete mares navegando por essas ondas, pode ser incrível. Entretanto, é bom tomar cuidado com um possível naufrágio.
[Ps.: Evitei ao máximo o uso de atalhos de emoticons e outras gírias virtuais, mas, ao menos na despedida, permitam-me.] Partiu ficar on no msn. Mimimis. Alt+3