terça-feira, 30 de junho de 2009

Bússola


Na contemplação do que é meu horizonte - aquela linha onde as coisas se perdem de vista e as cores se tornam tons de azul - te vejo ali, ao Leste. Você é o Leste. De onde vêm os primeiros ultravioletas cintilarem amarelos vívidos, o clarear de todas as horas que seguem iluminadas. Mas o vôo dos segundos é rápido [e lento quando de tanto te esperar me perco na marcação de um tempo nosso – peculiaridades], então, num repente de sertanejo, seus traços já estão desenhados no meu Norte. É tão simples assim, quando olho pra frente e sigo. Sim, você está ali, no norte que me orienta. Talvez a oeste eu espere a noite chegar pra me esconder em você, dos gélidos ventos vindos do sul.
De que tudo isso importa, afinal? Temos a nossa territorialidade. Demarcamos um tempo que não é de mais ninguém, num relógio de ponteiros duvidosos, circulares e contínuos. Cabe o mundo nessa distância que sequer a nós abarca.

domingo, 21 de junho de 2009

Do Verbo *


Digamos que começar um texto falando sobre as várias opções de tema que podem ser abordadas, não seja muito convencional. Aliás, acho que nem existe convenção pra isso. Talvez exista de como não se deve, até porque, identidade se constitui a partir da negação. O que importa é que hoje eu quis, olhando pro papel, dizer sobre o amor, a distância, os encontros, os desencontros, os apreços, a função do intelectual, fibra óptica, candidatura da Dilma, a vitória certa do Serra sobre ela e tantas outras coisas que já nem me lembro. Me perdi na tentativa de escolher, isso sempre acontece comigo. Ok, enrolei tempo o bastante pra me decidir. Falarei sobre a minha idéia do que seja amor.

Vamos lá. É tão comum se falar em amor que a gente – contraditoriamente – sente um certo desconforto. Mais corriqueiro ainda, principalmente em meio a pessoas que se consideram suficientemente críticas, é se falar na banalização do amor. Ah, como a gente vê por aí reacionários estufando o peito pra dizer: ‘Eu te amo não é bom dia’. Pois é, não é mas deveria ser. Devo concordar com Bauman, quando ironicamente ele constrói a idéia de um amor líquido e utilitarista. É o amor que vira desamor na velocidade da luz e conforme a conveniência. Mas não é a esse tipo de amor que eu me refiro. Não mesmo, já que, pra mim, amor é prática.

Não se tem amor, se pratica amor. Eu amo alguém quando – estando irritada – paro e ouço tudo que ele tem a dizer, anulando a minha vontade de ficar sozinha pela vontade dele de falar. Amo um morador de rua quando o abraço e cuido dele por um dia. Sim, foi um dia de amor por um desconhecido. Amo o Brasil quando faço uma reflexão antes de votar, amo a natureza quando não jogo lixo na rua, amo a sociologia quando leio e falo sobre ela, amo meu irmão quando – muito a contragosto – assisto anime com ele. Amo minha irmã quando a suporto na TPM [ela passa por isso durante 27 dias do mês. É muito amor, acreditem.]. Amo meu namorado quando abro mão da sua companhia pra que ele descanse de horas não dormidas. Talvez por isso seja tão difícil amar o próximo como a nós mesmos, porque amor é fazer pelo outro o esforço que nós somos capazes de fazer em nosso benefício. E isso não é nada fácil.

Eu sei que interrogaçõezinhas flutuantes devem estar sobre a cabeça do leitor: E o sentimento que deixa a gente arrepiado e pra morrer de dor [como ferida que dói e não se sente]? Isso não é amor? E a vontade descontrolada de estar perto do outro? E os pensamentos que não se permitem ocupar por outra imagem que não a da ‘pessoa amada’?

Perdoem-me pelo atrevimento em discordar de conceitos consagrados em louváveis versos [acho que isso é ligeiramente permitido a blogueiros inocentes], mas, na minha concepção, amor não é sentimento. Paixão, saudade, necessidade do outro, encantamento, carinho, desespero, tudo isso é sentimento. Quando nos levam à ação, que vai desde um presente comprado com muito esforço à abdicar da nossa vontade em prol do bem do outro – a desdém de qualquer dor que isso possa nos causar – aí sim, o amor acontece.

Que se pratique amor, pílulas de amor, cenas de amor, o tempo todo, sem a exigência de temporalidade ou proximidade, sem hierarquia. Amor não deve ser guardado com a gente pra uma ou duas pessoas que passem pela nossa vida. Se ele não é ação, não passa de intenção**, ‘como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor obrigação de acontecer’. Acho que se vive bem melhor assim, amando. Num gerúndio que mantém os braços da gente abertos a quem quer que seja, dispensando critérios minuciosamente burocráticos pra isso. Numa entrega que se auto-retribui, numa satisfação do fazer que se basta. Que o amor se banalize pra muito além do discurso.


* Texto inspirado em uma conversa de bar com Rox e Driano.

** adaptado (SILVA, Alex C., 2009)