domingo, 3 de maio de 2009

Do Espelho ao Papel


Um dia a gente sente que tem de escrever alguma coisa que tenha a ver com a alma. O poeta fingidor deixa a pretensiosa condição de roteirista da vida alheia e, então, começa a protagonizar a própria vida. Não sei por qual razão, esse momento chegou pra mim, e agora, leitores, é a minha essência – nem sempre tão cheirosa – que é colocada [sem clareza nenhuma, admito] nesse papel que de tão branco me envergonha. Parece amplo demais pra minha confusão, claro demais pras minhas mentiras bem-sucedidas (juro que me convenço delas diariamente. Não me levem a mal, é por alguma causa nobre por enquanto não identificada). De todo modo, é ainda melhor que uma tatuagem com alguma frase escandalosa que pode, devido à minha constante mudança, perder a validade na semana que vem [vide: Débora Secco]. Uma auto-narrativa é, inevitavelmente, cheia daquelas descontinuidades que teimam em aparecer quando a linguagem não dá conta de permear a subjetividade. Ignoro o declarado e sigo adiante, desprovida do temor de fazer silêncio, quando ele – necessariamente – tiver de ser meu porta-voz.

Chega de tantas explicações. O momento é de falar, e falar muito. Sem compromisso com a coerência, considerando que ela nem sempre é possível quando se tem a verdade em alta conta. É, verdade é um tema delicado nesses tempos em que o relativismo reina absoluto (contradição, confesso. Mas não retiro o que eu disse). De todo modo, as pessoas seguem criando pra si verdades, aderindo outras. Por aqui não é diferente. Tenho as minhas, tenho as dos outros. Aceito contestação, embora nem sempre me renda. Para encerrar o assunto (ou tão somente adiá-lo devido aos arrepios que me provoca), Cazuza que me perdoe, mas mentiras sinceras nunca me interessaram. Não, relativismo não é o meu forte (e agora quem tem de me perdoar é a antropologia).

Deslumbramento tem tudo a ver comigo. Talvez pela ineficiência do passar dos anos em me tomar esse forte traço de menina é que não precise de tanto pra que o meu contentamento se espalhe em sorrisos gratuitos. Se isso é uma virtude, eu não sei. Mas sinto uma estranha paz em não esperar nada da vida e ser – diariamente – agraciada por ela. Bem, agora é o momento oportuno pra mencionar a fé. Velha companheira, tão forte, tão destemida, tão sempre-comigo a ponto de me proteger do realismo cinza que resume tudo à frieza do concreto. Desconfio do palpável ao passo em que acredito no que escorre por entre os dedos da pretensiosa razão e de sua sócia, a lógica. “A fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”, diria apóstolo Paulo, em carta aos Hebreus (leitura que recomendo, vale ressaltar).

Gente me encanta. Trajetórias, estórias, contos reais. Isso exerce sobre mim verdadeiro fascínio. Saber da vida alheia – em um exercício que vai além da curiosidade e até da fofoquinha – é sentir a gostosa sensação de não estar alheia à vida. É tocar a dinamicidade, contemplar o movimento. Passei a viver melhor quando comecei a acreditar no ensinamento de minha mãe de que um ‘bom dia’ de um desconhecido pode fazer com que o dia seja, de fato, bom. Não considerar os humanos descartáveis é permitir que qualquer um nos melhore de alguma forma, em alguma medida.

Detesto comparações. Orgulho? Quem sabe. Pode não passar de demasiado apego ao singular. Gosto de pronomes possessivos, quando não interferem no livre prosseguir. Acredito na poesia, até quando não passa de performance. Sinto a música encher de ânimo cada canto de mim, como se as melodias carregassem em si o fôlego necessário à vida. Tenho uma quedinha por sarcasmos e outras tendências pseudo, mas vou me tratar, garanto. Verbos me seduzem, provavelmente por ter aprendido, em algum momento do ensino fundamental, que verbo é ação. Quando penso em amor como um verbo, sou tomada de uma anestesiante esperança de que se pratica o amor na mesma medida em que se fala nele, ou, pelo menos, de que isso é possível. Minha alma transborda harmonia quando me dou conta da misericórdia, soberania, e excelência do amor de Deus. Não saberia narrar, entretanto, não me atreveria a omitir o que me dá sentido e direção. “Por que Ele vive, posso crer no amanhã”, diz a canção que não me canso de entoar.

É, leitor amigo, longe da pretensão de ter clareado a obscuridade da minha humanidade, ou tão somente de ter sido fiel no que, gentilmente - ou não – atribuí a mim, devo a você um agradecimento sincero. Me acompanhar por esse labirinto arriscado, com altos muros de devaneios e reticências, foi uma demonstração de que ainda existe sensibilidade para com os gritos de desespero do outro. Sensibilidade, boa pedida pra outra auto-reflexão. Elas nunca param.

Um comentário:

  1. nossa. como se refere a si com tanta poesia nas maos ? esperando pra ouvir da tua boca.

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