domingo, 3 de maio de 2009

Humanóides


Oi, leitores. Essa é a maneira mais patética de começar qualquer rabisco. Eu me perdôo por isso, afinal,ando tão atordoada pelo que vamos discutir a seguir, que nem me dei ao luxo de uma introdução bem elaborada [como vocês merecem]. Crises literárias à parte, vamos ao que interessa [ou não]: O que está acontecendo com o mundo real?
Ao contrário da leitura de muitos acerca de uma pergunta quase clichê-de-caminhão-empoeirado-com-motorista-barrigudo-maniacossexual-e-mal-encarado, a inquietação que gerou esse questionamento não tem absolutamente nada a ver com as guerras no Oriente Médio, crise econômica mundial, seca no nordeste, gripe suína ou ascensão de celebridades como Sasha, Alexandre Frota, Íris Stefanelli e Mallu Magalhães [outro quase clichê no meio dos pseudo-anti-pseudo]. A indagação que vem me atormentando há dias, a ponto de me levar a uma auto-análise com resultado nem tão positivo assim, é que de uns tempos pra cá, assustadoramente os papéis se inverteram: Não é mais o mundo virtual que imita o mundo real, e sim o inverso. *imaginando vocês boquiabertos ao lerem isso* [acreditem, eu também fiquei ao concluir].
Nesse exato momento eu estou diante do computador, vendo um festival de janelinhas-de-msn piscando e pensando: Nem vou ver o *inserir pseudônimo* hoje. Na verdade, meus caros, eu não o vi ontem, nem o verei amanhã, já que estamos geograficamente separados por centenas de quilômetros. Entretanto, o que acontece é que esse universo de bits, gigas e softwares, está se introjetando a ponto de quase substituir sensações e impressões até então só conferidas pelos cinco sentidos. Pode até ser motivo de piadinha infame, como quando a gente brinca que namoro agora só vale se tiver no status do orkut [ quem disse que é só piada, hein?], mas, pra mim, que sou tão tato, que preciso tanto de hálito, isso é bem alarmante.
Com o perdão da didática minuciosa que vai encher o texto de exemplos [muitos deles bizarros, a combinar com a narrativa], é que devo relatar-lhes mais algumas experiências minhas e dos outros (sim, eu uso os outros como cobaias nas minhas literices). Eu tenho certeza que vão me entender, afinal, esse texto é um grande alerta a todos vocês, que aliás, o estão lendo depois de tê-lo recebido por alguma janela de msn, e-mail, corrente dos brothers e o escambal, visto que há muito tempo eu não sei o que ter um texto meu impresso. Pois sim, voltando as lamúrias de alguém que não quer por nada nesse mundo [palpável, por enquanto] perder a vida off. Isso da vida real estar imitando a outra vida [me senti num filme de terror ou em alguma sessão espírita. Por falar nisso, o que Alan Cardec diria se soubesse que agora os históricos do mensenger 9.0 equivalem à regressão a vidas passadas?], sim, onde eu parei? Ah, tá. Bem, isso está assumindo um formato que foge a passos largos do que eu considero saudável. Dia desses me deparei com uma situação de pasmar qualquer mortal [é, apesar dos arquivos serem ad eternum se o pendrive for bem cuidado, a gente ainda morre]. A mãe de uma aluna veio me contar em tom de choque e pesar que a relação com a filha é péssima, brigas constantes, rispidez, falta de confiança de ambas as partes. Porém, quando a adolescente vai passar o fim de semana na casa do pai e encontra a mãe on-line, a trata como best friend. Conta segredos, brinca, faz piada e até diz ‘te amo muuuuito S2’. Agora vejam, a internet virou mediadora da relação entre mãe e filha que moram na mesma casa. Tenebroso.
Outra experiência, até hilária, foi quando, ao vivo e à cores (sim, isso ainda existe, pra nossa sorte e esperança) uma amiga – muito, muito amiga – com quem eu tenho mais contato via net, devido à distância – lamentável – entre a gente, falou alguma coisa e complementou dizendo qual emoticon combinaria com aquela frase. Sim! Nós estávamos cara a cara e ela precisou citar um emoticon pra que a frase fizesse sentido. Ora, os emoticons, até onde eu sabia, eram uma tentativa de representar feições e reações humanas. Ver um humano imitando um emoticon foi aterrorizante.
Ainda nem falei em situações como: ‘Amiga, não posso ir com essa roupa, já tem foto no orkut’. Pior ainda: ‘Fulaninho não me ama mais, mandou depoimento pra Cicraninha e nem mandou pra mim’. Hipocrisias de lado, quem nunca sentiu ciúmes de um scrap, uma legenda ou comentário em foto, que envie o primeiro vírus. Até as tão tradicionais cantadas de pedreiro estão perdendo o glamour. Já ouvi por aí a seguinte aberração: Oi, cachorrinho tem msn? Dia desses me disseram: Você é pop, hein? Dois orkuts e quatro comunidades. Eu sorri e até concordei, a fim de anulação da pouca modéstia que ainda me resta. Mas a verdade é que a gente vê os nossos amigos [nem vou colocar aspas, que estão tão evidentes] só uma vez por ano, quando o orkut noticia nosso aniversário. Por falar nisso, eu acho uma grande palhaçada amigo, que é amigo mesmo, mandar um recado de orkut no dia do aniversário e achar que equivaleu a uma festa surpresa com direito a gogo boy dentro de um bolo gigante.
O inverso também acontece. Você vê uma pessoa todo santo dia, vai pra balada com ela, abraça e beija mas a criatura consegue ficar magoada contigo se não puxar assunto com ela no msn. Aí depois você encontra na rua e ela vira a cara. Isso deve significar que você foi bloqueado. Ah, não posso deixar de mencionar o fato de que excluir do orkut, do msn e da lista de e-mails é deletar [sim, os termos internéticos já foram incorporados à lingüística mas o meu word 2003 ainda marca de vermelho] indica exclusão total da vida. Prefiro nem comentar o típico caso de pessoas reais que só existem no mundo virtual. É aquele seu colega de faculdade que te ignora e se bobear, nem seu nome sabe, mas quando ‘te encontra’ no orkut, quer passar a impressão de que vocês são amigos íntimos: ‘Oi, Aa’bsolut [é, pelo menos o seu nick ele sabe]! E as 9’s? Vai fazer o que no FDS? Bjaaaum’. Se parar no beijo, tá bom. Pior é quando vem seguido do clássico acabei-de-te-conhecer-mas-já-te-amo-muito-e-pra-sempre. Lamentável. É, amor não é mais fogo que arde sem se ver, e sim depoimento que copia e não se lê.
Definitivamente, eu não consigo pensar em Augusto dos Anjos, Cecília Meireles ou Castro Alves literando conforme com o Acordo Ortográfico Virtual Alooks. Imaginem só: ‘Olhos de cigana obliqua e dissimulada [/oisoucapitu]’. Ou então: ‘Não sou alegre nem sou triste: sou poeta ok bgz’. Fernando Pessoa se veria em maus lençóis tendo de escrever Psicografia no seu twitter. Ou não, seria um bloggeiro de mão cheia. Livros nunca mais. [twitter é outra página inútil que anula a beleza lírica de escrever as coisas em um diário que poderia ser lido pela posteridade]. Será que Cartola, Noel, Tom e Maysa fariam sucesso hoje se não tivessem my space? Por falar em Noel, o pobre se veria em desencanto por não poder pedir uma boa média que não seja requentada, já que o botequim dessas bandas é o Boteco Irônico.
Pode parecer paranóia, mas eu não consigo me tranqüilizar diante da possível perda de sentido das relações humanas, a não ser que sejam moderadas virtualmente. Atribuir sentimentos verdadeiros a pessoas que vem pra vida da gente via bit, é normal e até muito digno. Eu já fiz, já fizeram por mim. Amores, amigos, parceiros que eu vou carregar comigo sempre. O ponto é esse, eles deixaram de ser virtuais e passaram a ser da vida. O grande mote do texto, o problema, o calcanhar de Aquiles deste universo aparentemente blindado é que tudo aponta para uma virtualização do real. Humanos líquidos e cada vez mais distantes do alcance dos olhos e do toque da pele. Descobrir os sete mares navegando por essas ondas, pode ser incrível. Entretanto, é bom tomar cuidado com um possível naufrágio.
[Ps.: Evitei ao máximo o uso de atalhos de emoticons e outras gírias virtuais, mas, ao menos na despedida, permitam-me.] Partiu ficar on no msn. Mimimis. Alt+3

6 comentários:

  1. "Ver um humano imitando um emoticon foi aterrorizante."

    Obrigada por me chamar de aterrorizante HAHAAHAHHA

    Poutz, a gente nem se dá conta de como vamos prendendo nossa vida nessa tela de computador, nesses relacionamentos internéticos, que com o tempo acabam se tornando indispensáveis. Amo os amigos que conheci pela internet, amo os que mantive por causa dela. Sim pq se não fosse isso, a gente ja teria se perdido nesses anos e distancia. É estranho dizer que minhas 2 melhores amigas são virtuais. Mas não me envergonha. Só a gente sabe o que significa pra gente.

    Enfim, gostei. ♥

    ResponderExcluir
  2. Só a gente sabe que significa pra gente'. É verdade. Somos prova disso, não é mesmo ? Mundo das aparências, dos 'status', da distância. Ainda bem que as telecom estão aí pra isso. Hora bom, hora ruim, mas tudo tem que ser pesado e decidido de como ser usado. Temos que ter bases sólidas pra que não nos transformemos em um humanóide.

    ResponderExcluir
  3. Ótimo texto, Aavita.

    Bem,
    acho que, seja por msn, orkut, 21daembratel, telegrama, pombo correio etc. O que importa é o vinculo que você criou com a pessoa, que por mais que você não a veja pessoalmente, não tenha o contato físico, essa pessoa marca sua vida de uma forma que isso se torna um detalhe, um pequeno detalhe.

    Beijos, meu bem.

    ResponderExcluir
  4. Oi moça, Seu texto é perfeito. Esse universo virtual q deveria ser complemento virou a única relação. Assustador.
    Parabéns pelo blog. Anuncie nas comunidades, pq vc tem muito talento.
    Abraços

    ResponderExcluir
  5. Conseguiu dizer nesse texto o que venho pensando há tempos. Gostei, e muito.

    beijo

    ResponderExcluir
  6. Aavinha, está simplesmente excelente. A gente não se dá conta de tudo isso até uma outra pessoa chegar e nos alertar. Seu texto é um excelente alerta para os limites dessa rede tão dominante.
    Beijão. ♥

    ResponderExcluir