domingo, 21 de junho de 2009

Do Verbo *


Digamos que começar um texto falando sobre as várias opções de tema que podem ser abordadas, não seja muito convencional. Aliás, acho que nem existe convenção pra isso. Talvez exista de como não se deve, até porque, identidade se constitui a partir da negação. O que importa é que hoje eu quis, olhando pro papel, dizer sobre o amor, a distância, os encontros, os desencontros, os apreços, a função do intelectual, fibra óptica, candidatura da Dilma, a vitória certa do Serra sobre ela e tantas outras coisas que já nem me lembro. Me perdi na tentativa de escolher, isso sempre acontece comigo. Ok, enrolei tempo o bastante pra me decidir. Falarei sobre a minha idéia do que seja amor.

Vamos lá. É tão comum se falar em amor que a gente – contraditoriamente – sente um certo desconforto. Mais corriqueiro ainda, principalmente em meio a pessoas que se consideram suficientemente críticas, é se falar na banalização do amor. Ah, como a gente vê por aí reacionários estufando o peito pra dizer: ‘Eu te amo não é bom dia’. Pois é, não é mas deveria ser. Devo concordar com Bauman, quando ironicamente ele constrói a idéia de um amor líquido e utilitarista. É o amor que vira desamor na velocidade da luz e conforme a conveniência. Mas não é a esse tipo de amor que eu me refiro. Não mesmo, já que, pra mim, amor é prática.

Não se tem amor, se pratica amor. Eu amo alguém quando – estando irritada – paro e ouço tudo que ele tem a dizer, anulando a minha vontade de ficar sozinha pela vontade dele de falar. Amo um morador de rua quando o abraço e cuido dele por um dia. Sim, foi um dia de amor por um desconhecido. Amo o Brasil quando faço uma reflexão antes de votar, amo a natureza quando não jogo lixo na rua, amo a sociologia quando leio e falo sobre ela, amo meu irmão quando – muito a contragosto – assisto anime com ele. Amo minha irmã quando a suporto na TPM [ela passa por isso durante 27 dias do mês. É muito amor, acreditem.]. Amo meu namorado quando abro mão da sua companhia pra que ele descanse de horas não dormidas. Talvez por isso seja tão difícil amar o próximo como a nós mesmos, porque amor é fazer pelo outro o esforço que nós somos capazes de fazer em nosso benefício. E isso não é nada fácil.

Eu sei que interrogaçõezinhas flutuantes devem estar sobre a cabeça do leitor: E o sentimento que deixa a gente arrepiado e pra morrer de dor [como ferida que dói e não se sente]? Isso não é amor? E a vontade descontrolada de estar perto do outro? E os pensamentos que não se permitem ocupar por outra imagem que não a da ‘pessoa amada’?

Perdoem-me pelo atrevimento em discordar de conceitos consagrados em louváveis versos [acho que isso é ligeiramente permitido a blogueiros inocentes], mas, na minha concepção, amor não é sentimento. Paixão, saudade, necessidade do outro, encantamento, carinho, desespero, tudo isso é sentimento. Quando nos levam à ação, que vai desde um presente comprado com muito esforço à abdicar da nossa vontade em prol do bem do outro – a desdém de qualquer dor que isso possa nos causar – aí sim, o amor acontece.

Que se pratique amor, pílulas de amor, cenas de amor, o tempo todo, sem a exigência de temporalidade ou proximidade, sem hierarquia. Amor não deve ser guardado com a gente pra uma ou duas pessoas que passem pela nossa vida. Se ele não é ação, não passa de intenção**, ‘como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor obrigação de acontecer’. Acho que se vive bem melhor assim, amando. Num gerúndio que mantém os braços da gente abertos a quem quer que seja, dispensando critérios minuciosamente burocráticos pra isso. Numa entrega que se auto-retribui, numa satisfação do fazer que se basta. Que o amor se banalize pra muito além do discurso.


* Texto inspirado em uma conversa de bar com Rox e Driano.

** adaptado (SILVA, Alex C., 2009)

6 comentários:

  1. Um dos pontos de vista sobre o amor, mais coerentes. :)

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  2. Amor é prática. Então, amor á prática. E faço das suas palavras as minhas, pois é como imagino que ele seja.

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  3. "Quando nos levam à ação, que vai desde um presente comprado com muito esforço à abdicar da nossa vontade em prol do bem do outro – a desdém de qualquer dor que isso possa nos causar."

    Discordo, eu sinto realmente o amor, e o sinto de forma diferente. Pra mim não há esforço em abdicar de vontade, abrir mão do egoísmo é apenas o primeiro passo. Amor, pra mim, é querer fazer tudo isso, sentir vontade e necessidade de amar o outro todos os dias, todas as horas. "Na saúde e na doença". Sentir-se privilagiado ao fazer bem ao ser amado.

    Mas eu devo ser romântica demais. Talvez isso nem exista, talvez seja mesmo prática e cotidiano, no sacrifício de suportar... Talvez, Aavinha, talvez.

    Bom, continuo achando sua forma de escrever prolixa. Assim como a minha. E seu vocabulário refinado, que eu domino.

    E mesmo achando que amor é um prazer e uma necessidade além de qualquer scrifício... Gostei de ler, gostei e te ver viadinha com visões quase ingênuas sobre o que de fato é o amor.

    Gostei. =)

    Beijo.

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  4. ''...nem fale em amor
    que amor é isto''
    -
    Escreve maravilhosamente bem, como tudo que faz na vida. *-*

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  5. 'Não se tem amor, se pratica amor'
    :) quero praticar amor todos os dias que Deus me permitir, porque Deus é amor.

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  6. Aavinha vc é fantástica, e tem um tino literário excelente, só é possível desenvolver esse amor descrito acima, quem tem consciência de sua missão, e do pouco se faz muito, os seus nunca despreza, de dia partilha o pão , de noite se doa em oração, mesmo que viva dura realidade, não lhe falta coragem para aqui cumprir sua missão. Creio que por experiência pode escrever este belo texto, menina sapeca.

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